quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

os ausentes



O plano era entrevistar os participantes do Boca de Rua. A partir disso, teríamos uma base para a criação de uma narrativa.

Para nossa surpresa, no primeiro dia de filmagens, nosso entrevistado não compareceu. Ao invés de guardarmos câmera e equipamentos, optamos por filmar o vazio, por registrar a ausência. Fomos para casa. Aquilo realmente ficou na cabeça. Como faríamos se a situação se repetisse? Aliás, teríamos que pensar em um Plano B, até então inexistente.

No carro, quando íamos para casa, entre papos de cinema e buzinas de Porto Alegre, conversamos sobre o que fazer caso aquilo acontecesse novamente.

Só conversamos. Mas tudo ficou no ar.

Segundo dia de filmagem. Três entrevistados marcados no mesmo local. Apenas Rita estava por ali. Leandro dormia em outra praça e tivemos que ir buscá-lo. O terceiro não apareceu. Gravamos os dois em um sofá perdido na esquina de uma movimentada rua. O calor nos castigou, mas ouvimos histórias marcantes de um jornal que mudou a vida de muitos moradores de rua.

No terceiro dia, na Usina do Gasômetro, conseguimos belas imagens. De novo, só ouvimos os pássaros. Nosso entrevistado não foi! E eu comecei a perceber o quanto essa ausência ERA o documentário. Essa não-entrevista foi uma mensagem muito forte daquelas pessoas que muitas vezes estavam invisíveis perante uma sociedade que não tem tempo para ouvir, uma sociedade que só tem tempo para falar.





Os ausentes se tornavam presentes para nós e para a câmera. Os papeis se inverteram e nós passamos a ser os invisíveis, passamos a esperar e a entender que somos totalmente iguais. Lado a lado não muda nada: temos os mesmos medos, as mesmas vontades, os sonhos parecidos...

Criamos assim uma proximidade tão forte com aquele entendimento que tudo foi nascendo ao natural. Sermos "excluídos" da agenda deles nos tornou mais pacientes e atenciosos para a invisibilidade.










Pensar nisso, faz com que eu questione o meu papel perante o mundo e a 'comunidade' onde estou inserido. No fundo, todos somos invisíveis. E a busca por uma identidade é um processo natural. Não importa se nosso lar é embaixo de um teto de cimento ou de um céu estrelado.

No caso dos integrantes do Boca, produzir o jornal é criar visibilidade. É sair do anonimato. É ajudar a transformar.

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