Lá no início, quando comecei a frequentar a reunião do Boca de Rua, eu sempre chegava com o pé atrás, achando que iria ser mal visto por eles.
-O que esse cara tá fazendo aqui com essa câmera?
Fui pronto para ouvir isso. Só que, para minha surpresa, as perguntas foram mais profundas.
-Tu vais gravar nossa história e cair fora? Ou tu quer fazer parte disso tudo?
Foi uma das questões que mais ouvi.
Ou seja, fui armado com respostas pré-estabelecidas e acabei sendo pego de surpresa por um grupo de moradores de rua que tem e-mail, conta bancária e perfil no Facebook. Aliás (não posso deixar de admitir que me impressionei) grande parte desse grupo tem emprego, aliança no dedo e sabe falar sobre o Decreto 7053. Alguns, inclusive, já decoraram as palavras desse documento assinado em 2009 pelo presidente Lula.
É estranho - e esse estranhamento nada mais é do que um imposição social-midiática (se é que essa palavra existe!) - perceber que o olhar jornalístico sobre a realidade dos integrantes do Boca é muito mais intenso do que alguns veículos de comunicação do país.
Foi isso que chamou atenção de todo o processo de pesquisa que delineou a inscrição do projeto no Rumos do Itaú Cultural.
E continua surpreendendo. Cada nova reunião acaba sendo um processo de fruição de uma realidade não tão conhecida para uma parte dos brasileiros. É lógico que o senso-comum também traz à tona alguns assuntos cotidianos, tais como, drogas, aids, frio e medo da polícia. Mas temos percebido que não é por isso que os participantes do Boca estão há doze anos escrevendo este jornal. É porque, além de quererem dizer, eles PRECISAM dizer. Existe nisso tudo um grande entendimento político, econômico e social. Eu não ASSISTI isso nos bancos da Universidade de comunicação. Eu apenas OUVI. O que é bem diferente.
E sem dúvida foi por isso que decidimos documentar isso. Eu, por exemplo, em meus seis anos como estudante de jornalismo, nunca tive um exemplo tão grandioso de liberdade de expressão e luta pelo reconhecimento. "Nós estamos aqui" é o subtexto do Boca.
"Boca de Rua - Vozes de uma Gente Invisível" leva o título da primeira edição do jornal. Mas esse documentário, ainda em fase de pesquisa, não é sobre histórias de moradores de rua ou de dificuldades. É sobre iniciativas e força de vontade. Só sobre isso. Com figuras comuns que lutaram e conquistaram. Ou seja, é um filme sobre nós. Um filme sobre qualquer um que além de imaginar deu o primeiro passo.
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